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Thursday, March 15, 2012

Que "futuro recente"?

Bruno Braga.


O artigo de Ronaldo Sérgio da Silva – “Planos para um futuro recente” [1] – é uma espécie de orientação para o eleitor de Barbacena, cidade de Minas Gerais. O pano de fundo, e elemento justificador, da sua proposta é uma fórmula conhecida: a de que “a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história de luta de classes” [2]. Barbacena, como amostra microcósmica, também está submetida à lei que rege a história das sociedades - a “luta de classes”, na qual se enfrentam, neste momento, a “burguesia” e o “proletariado”.

Para além da contradição entre os conceitos no título do texto [3], a adoção de um “pano de fundo” que fixa a consideração em termos de “classe” impõe imediatamente um problema para Ronaldo Sérgio. Uma “classe” não tem realidade efetiva – apenas a têm indivíduos reais, concretos, de carne, osso e sangue: somente estes poderiam se lançar em uma disputa. Além disso, é preciso questionar: há, de fato, uma organização na qual todos, todos, os indivíduos assumem a posição de uma ou outra “classe”? Como são determinados os critérios que caracterizam um indivíduo como “burguês” e outro como “proletariado”?

Não é preciso muita perspicácia para notar que a distribuição dos “uniformes” para cada um dos “exércitos”, e a configuração do próprio “campo de batalha”, não caiu do céu – elas foram estabelecidas de alguma forma, e certamente por alguém, ou por um grupo, que está do “lado do bem”. Sendo assim, a fórmula adotada por Ronaldo Sérgio, e o discurso que construiu a partir dela, são apenas uma teia de ideias criada, ou para justificar a sua própria posição dentro de um domínio de convivência com outras pessoas, ou para maquiar interesses objetivos de poder.

Que o discurso ideológico – como o da “luta de classes” – não é uma descrição da realidade, o próprio autor do artigo indica, quando alerta o eleitor sobre a necessidade de identificar políticos que tenham uma “inspiração ideológica apropriada”. Entre tantas ideologias, qual seria, então, a “apropriada”? Ronaldo Sérgio trata de esclarecer: é a “ideologia” dos candidatos que entendam a sociedade como “una” e “indivisível”, que determine “o progresso individual e coletivo”, o “desenvolvimento integral da sociedade baseados em princípios universais”.

Da “inspiração ideológica apropriada” de Ronaldo já salta um obstáculo evidente: “unidade”, “indivisibilidade”, “integralidade” e “universalidade” são conceitos estranhos em um cenário de guerra e de conflito – dividido pela “luta de classes”. Quer dizer, para quem assumiu o “lado do bem”, a “universalidade” não inclui o seu “inimigo” - o “adversário” deve ser eliminado, asseverou o próprio Marx: “a existência da burguesia não é mais compatível com a sociedade” (2002, p. 57). Ademais, as fórmulas apresentadas, que incluem ainda as ideias de “progresso” e “desenvolvimento”, são tão abstratas, vagas e estratosféricas, que precisariam ser preenchidas com algo real e concreto: que atenderia, sem dúvida, o gosto e as preferências de quem moldou o discurso, daquele que o configurou para o próprio consolo e reconforto, ou para justificar interesses de agentes reais e concretos que disputam o poder.

Aliás, Ronaldo Sérgio se define como um “agente”: “SOMOS os verdadeiros agentes de transformação da sociedade”. Ele, certamente, não é um “burguês” – o “inimigo da humanidade”. Mas, ele é, de fato, um “proletário”? O que o define como tal, e quem fixou os critérios que lhe dão o “uniforme” e as “armas” do “exército do bem”? Enfim, a orientação de Ronaldo Sérgio é, ou a expressão dos seus sentimentos, ou, por trás da “inspiração ideológica apropriada”, ele oculta os seus interesses de poder ou o dos de seus pares?

Ronaldo ainda projeta uma “nova sociedade” sobre “novas bases”, que substitua o poder político que “não generalizará a penúria” – o autor, provavelmente, pretendia dizer “que generaliza a penúria” – por um que lute com a massa pelo “indispensável”. No entanto, a experiência efetiva, real, da proposta “revolucionária” adotada por ele – a do Marxismo-Socialismo-Comunismo – produziu, não só “penúria”, mas morte, carnificina, genocídio e também degradação intelectual.

Esta, a corrupção intelectual, é possível perceber quando a “Ideologia” é projetada para revisar toda a História. Acontece que o discurso ideológico nasce em um dado momento, e ele mesmo aparece separado do poder: ou como forma de legitimação, ou com o objetivo de reivindicá-lo. Isto não aconteceu na Idade Média, como observa o articulista, período no qual não havia separação – lacuna - entre o discurso de legitimação e o próprio exercício do poder, porque ambos estavam imbricados na estrutura da própria sociedade [4]. Nestes termos, Ronaldo incorre em um equívoco de compreensão histórica e metodológica, projetando a “Ideologia” em um passado no qual ela não existia.

Enfim, a orientação destinada aos eleitores de Barbacena, redigida por Ronaldo Sérgio, é um discurso artificial, construído para, ou consolar-se pela posição que ocupa no corpo social, expressando seus sentimentos e expectativas, ou legitimar a sua ambição de poder, ou a de seu grupo. De qualquer modo, sejam quais forem as motivações e os objetivos de Ronaldo Sérgio, a “Ideologia”, aqui, é um substituto da realidade na qual ele mesmo se encontra.


Referências.

[1]. Ronaldo Sérgio da Silva, “Planos para um futuro recente” [http://www.barbacenaonline.com.br/noticias.php?c=8144&inf=100].

[2]. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Trad. Pietro Nassetti. Editora Martin Claret: São Paulo, 2002. p. 45.

[3]. Ou é “futuro” – o que está por vir, por acontecer - ou é “recente”, que ocorreu há pouco.

[4]. Além disso, não é permitido falar em “Ideologia” sem que haja uma política de massas.

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